hoje chorei nos braços de meu irmão.

tempos atrás,
o impeto de me derrubar às palavras
apenas era.
me vinham os versos como me vinham os sentimentos
e eu só precisava colorí-los com meus dedos

hoje, me preparo para dormir
mas antes, preciso me dessofrer
ou me cosofrer junto as palavras.

mas quais palavras, se nada tenho?

não as tenho faz tempo.
nem ao romance
nem para meu toska

me aventuro em desembrulhar-me
(como em cebolas de camadas infinitas sem que exista
propósito algum para ser atingido, ou centro algum para se gravitacionar)

seria a defunção que vi, a que vivo?
seriam estes meus últimos dias, e se forem, como resto minha vida?

seria todo esse desalento tão bobo e óbvio quanto a inação crônica?
estaria meu proprio âmago (se é que há um destes aqui) afundado em sua própria incompetência para, oras, agir?
para respirar, levantar um copo ou, raios!, se direcionar a qualquer coisa mediocremente humana?

mas duro como sou, não acredito em desmotivo
(apenas em desmotivação

para onde vai, tenta ir, mas nunca chega?

sujeito sem âmago mas muitos azuis,
seria a própria angústia o fim da linha?
precisaria eu ou ele de mais comida?
mais pavimento?
mais canções?

os homens-trem-bala me assustam perante minha própria fadiga
pudera eu ser apenas canção!

por hora me revelo:
choroso, tentador do nada e do tudo

e desafinado.

06.06.2022 – 3h04 am

uma boa promessa.

sou apenas uma porta
ainda que eu pareça com qualquer coisa interessante,
não sou nada além de uma boa promessa.

sou uma esteira rolante que,
ainda que leve a algo,
não chega a lugar algum.

sou apenas uma boa promessa

por debaixo de minhas roupas,
buraco.
por de trás de minhas ideias,
engano
por de trás de minha alegria,
meu choro.

sou apenas uma boa promessa,
e talvez tudo bem
que bem há em ser nada-algo?
que mal há em ser ponte?

sou em excesso mal estar
mi dispiace! muitos maus feitos.

sou apenas uma porta.
e quem faz afeto em porta?
ainda que me reconheçam enquanto faço casa,
logo me torno somente mais uma coisa aberta.
– Oh, graça! Oportunidades!
mas nada mais, uma não-memória.

talvez eu meu ápice, me torne inócuo.
e para o lado de cá,

nada mais que uma boa promessa.

06.04.2022 – 22h58

talvez todo esse nosso sorriso seja sempre genuíno

talvez eu não esteja acostumado com a felicidade e ela me soe doída, pois está sempre a beira de ser levada pelo vento.

então choro

enquanto teço boas memórias breviloquentes (que não se vão no mesmo sopro que vieram) me apresso em prometer-me: quando tocar novamente essa música, lembrarei desse poema e desse dia ou mesmo de qualquer momento e qualquer dia que me deseje o belo

e serei novamente feliz.

hoje minha mãe veio ao escritório ouvimos músicas eruditas depois Pavarotti me fez emocionar e eu quero dar essa música de natal para você, Mãe

ah sim, as memórias breviloquentes que agarro firme e até transbordo pelos meus próprios olhos!

que não se vá embora.

a tudo que lembro com afinco: uma boa trilha sonora e todo meu coração.

a felicidade é todos esses arranjos e rearranjos de memórias e músicas que cultivamos do Outono ao Verão.

04.11.2021 – 3h16 am

os marinheiros já se foram faz tempo.

os marinheiros se foram
deixaram apenas carniças sob areia
e areia sob carniças
concedemos um tchau ou nos jogamos as sobras?

os marinheiros se foram.
sempre se vão.
podemos até avistá-los nos limites das linhas curvas do mundo, quiça do universo!
mas deus está triste e os marinheiros já se foram faz tempo.

temos restos, mas o que nos restou?

inversos.

ainda que eu tivesse visto vermelho no lugar do azul
ou que aquele apartamento de 95 fosse uma casa
quem sabe se eu falasse mandarim, ou concluísse o russo
talvez se eu tivesse um grande abraço quando me encolhi

quem sabe se eu fosse mais evoluído,
mas fico abaixo até
porque quedas não cabem em mim agora
mas fico mais aqui do que em todo lugar.
talvez eu se tudo fosse o inverso do que se simbolizou
eu seria farsa alegre

se eu fosse tudo que se tanto propõe eu me sentiria
certo e ajeitado (e então, aleijado)
talvez se naquela foto eu só fosse eu

mas sou exatamente aquela foto, daquele apartamento, daquele próprio ano, daquela cor, daquele não-abraco, daquele dessaranjo, desse bom sorriso que me ausenta agora.

quem sou eu?
com essa perna trêmula
e meus dedos comidos.

a quem engano?
com toda essa dúvida que carrego eu mesmo a todo tempo.

qual meu valor?
se corro o risco agora de já ter sofrido dos piores arrependimentos que eu poderei ter.

como incentivo verdades, se me sinto cheio das mentiras?

por baixo de minha percepção, sorrateiro, está sempre uma voz me dizendo:
você é uma mentira, você sabe que você não há nada aqui. onde está indo?

e eu sempre fui e sempre vou.
para onde, não me cabe saber. senão o que seria de mim?
mas vou sem malas, sempre sem malas.
sou uma ruína e não tenho sinais de que alguém esteve aqui.
apenas frio e meus desolados antagonismos.

quem sou eu?
sou esse terno poema,
sou algum dos lados do espelho que esses versos permite.

sou todo eu,
vazio
a todo tempo.

minha pernas trêmulas tremem
e meu corpo me leva arrastado pela madrugada inteira.

de olhos bem abertos, não tenho nada a procurar.
já sei demais desse apartamento
e as paredes daqui não são novidades.

não me atraem mais
os bons cheiros de prato cheio,
mas eu como, como por termos
esse ritual de sentar a mesa de jantar e conversar um pouco

em meu âmago sempre há espaço para algum humor e afeto.

as pessoas continuam boas,
mas as vezes me penso sozinho.

me lembro do nonno me dizendo em árabe:
“um dia você come mel, outro dia cebola”
sabedorias bem misturadas ao afeto te fazem correr maratonas!

ainda seremos todos normalizados
enquanto diferentes?

um dia de cama, outro dia de estrada.
o Sol (e quem sabe a sombra) sempre virão!

ter.a.pia

durante meses vi
uma borboleta se tornando.
e quando deixou seu casulo não havia peso,
então voou.

antes de ir, me falou: obrigado,
ter-a-pia.

e eu aqui,
de nada
e obrigado.
agora sou muitos mais eus do que eu era.

muitos mais eus, muito mais leves.
voamos.